Ritual marca formatura dos cursos de línguas indígenas
Mais de cem alunos participaram das atividades voltadas para a aprendizagem das línguas mundurucu e nheengatu
Uma grande roda, formada por pessoas de diferentes etnias e matizes culturais, unidas por um mesmo objetivo: resgatar, aprender e vivenciar línguas e práticas culturais reprimidas e perseguidas pelo colonizador europeu. Foi esse gesto de confraternização e celebração entre alunos, professores, familiares, lideranças e simpatizantes da causa indígena, que marcou a formatura dos alunos dos cursos de nheengatu e mundurucu, no último dia 5 de fevereiro, no Prédio Anexo ao Câmpus Amazônia da UFOPA, em Santarém (PA). Um ritual recheado de simbolismos expressos em nheengatu e mundurucu, que se constituiu em um ato de resistência – política, étnica e cultural – contra o preconceito e o processo de extinção dos povos indígenas da Amazônia.
“Foi um mês de muito trabalho e empenho por parte de todos. Esperamos que os alunos estejam prontos para falar e ensinar em sua língua materna”, afirmou Rosana Tapajós Oliveira, do Grupo Consciência Indígena (GCI), durante a solenidade. “É mais uma vitória. Não é fácil chegar a uma etapa final dos cursos de nheengatu e mundurucu em uma região permeada de preconceitos”, ressaltou João Tapajós, representante do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita). O Procurador da República, Luís de Camões Boaventura, também participou do evento. “A luta dos povos indígenas tem que ser do povo brasileiro também. E os cursos de línguas indígenas servem para fortificar a luta desses povos”.
A solenidade contou ainda com a participação do pró-reitor da Cultura, Comunidade e Extensão, Tiago Almeida Vieira, que representou a reitoria da UFOPA; e do pró-reitor de Gestão Estudantil, Valdomiro de Sousa, que também destacou a importância da realização de cursos de idiomas para a aprendizagem e vivência das culturas indígenas. “Um curso de idiomas indígenas não é apenas para aprender a falar determinadas palavras. É um processo de aprendizado, pois a linguagem é o elemento principal de organização de um povo”. Ele falou ainda sobre a simbologia do ritual de abertura, em forma circular. “Isso tem um significado muito especial, a dança circular, onde não existe divisão social. Esse é um traço da cultura indígena que devemos preservar”.
Cultura - De acordo com os organizadores do evento, 117 alunos concluíram os cursos de línguas indígenas, que foram realizados no Centro Indígena Maíra, em Santarém (PA). Ministrado pelo professor Agripino Nogueira Neto, de Barcelos (AM), com assessoria do mestrando em Letras da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Neto, o curso de nheengatu contou com a participação de 79 alunos, sendo 45 iniciantes e 34 no nível avançado.
Já o de mundurucu foi ministrado pelos estudantes indígenas Mayke Krixi e Jair Boro, da etnia mundurucu, oriundos de aldeias do Alto Tapajós, em Jacareacanga (PA). O curso contou com a participação de 38 alunos - 32 iniciantes e seis no nível avançado. “Foi gratificante, pois adquirimos mais experiência nesta segunda edição do curso”, afirma Maike Krixi, que também é aluno do curso de Agronomia da UFOPA. Segundo Krixi, estima-se que hoje haja em torno de 12 mil mundurucus na região do Alto Tapajós. “Nas aldeias, primeiro aprendemos a falar o mundurucu, depois o português. As duas línguas são bem complexas”, afirma.
Os cursos foram promovidos pelo Grupo Consciência Indígena (GCI), que existe desde 1997 em Santarém, em parceria com a UFOPA, através da Diretoria de Ações Afirmativas, vinculada à Pró-Reitoria de Gestão Estudantil (PROGES), e do programa de extensão “Patrimônio Cultural da Amazônia”, coordenado pela professora Luciana Carvalho. “Também tivemos o apoio da Rádio Rural, dos frades franciscanos, do Conselho Indígena Tapajós Arapuins e de várias outras pessoas que colaboraram para a realização deste evento”, explica o diretor de Ações Afirmativas da UFOPA, Florêncio Vaz.
Segundo o professor da UFOPA, a cada nova oferta de cursos, tem aumentado o número de pessoas interessadas em aprender nheengatu e mundurucu, tanto de indígenas e de professores que atuam nas aldeias, quanto de pessoas que moram em Santarém e se interessam pela cultura indígena. “As pessoas não estão apenas interessadas em aprender línguas indígenas. Elas também querem conhecer sobre a cultura e os direitos desses povos. E os indígenas que fazem esses cursos saem muito mais fortalecidos na sua autoestima”, afirma.
É o caso da aluna de nheengatu Eloane Vanusa de Oliveira Ferreira, da etnia arapium. “Temos que resgatar a nossa língua materna. Quero repassar o que estou aprendendo para os meus próximos”, afirma a jovem que atua como secretária em duas escolas públicas – Nossa Senhora de Lourdes Kapixauã e Nossa Senhora das Graças de Solimões - da aldeia Vista Alegre, situada na margem esquerda do rio Tapajós.
Civaldo Imbiriba Rodrigues, da etnia kumaruara, é outro aluno que pretende repassar o conhecimento sobre esse idioma para os seus próximos. “O objetivo é aprender o nheengatu para ensiná-lo para os alunos e comunitários”, explica o futuro professor da escola Nossa Senhora de Lourdes, que concluiu o módulo avançado de nheengatu.
O interesse em conhecer a cultura indígena também motivou a professora de educação infantil Simone Kelly Martins, a estudar a língua mundurucu. “A língua é difícil, mas pelo fato dos professores serem indígenas, fica mais fácil aprendê-la”, afirma a aluna, que pretende continuar os estudos no próximo módulo avançado.
Maria Lúcia Morais - Comunicação/UFOPA
9/2/2015
Momentos do encerramento dos cursos de línguas indígenas. Fotos: Maria Lúcia Morais.