Iniciativas de proteção ao patrimônio resguardam direitos de comunidades amazônicas
“Patrimônio é um campo de ação e, ao mesmo tempo, de pensamento”. A frase é da antropóloga Luciana Carvalho e reflete a perspectiva adotada no Programa de Extensão Patrimônio Cultural da Amazônia (PEPCA), coordenado por ela. Mais do que proteger a cultura material e imaterial, entende que essa é uma noção estratégica para assegurar direitos culturais e outros direitos fundamentais a grupos marginalizados.
Realizado em interface com a Antropologia e o Direito, o programa atua desde 2010 proporcionando o diálogo entre a academia, a gestão pública e a cultura popular. O objetivo é promover o reconhecimento e a preservação dos bens materiais e imateriais de comunidades locais e sociedades amazônicas, contribuindo para a salvaguarda de direitos coletivos. Já foram atendidas comunidades em zonas urbanas e rurais de cidades do oeste do Pará, como Santarém, Monte Alegre, Óbidos, Aveiro e Alenquer.
Patrimônio – É comum associar a ideia de patrimônio a bens antigos da história nacional, como prédios e monumentos históricos. Muito além disso, o patrimônio pode englobar ofícios, festas, artesanatos e várias outras formas de fazer, viver e criar de grupos da sociedade brasileira.
Luciana Carvalho explica que isso se deve à definição, que vigorou durante décadas no país, de que o patrimônio seriam os bens memoráveis da história nacional e excepcionais em seu caráter artístico e arquitetônico. A crítica ao Decreto-Lei nº 25/1937 é a de que ele protegeria e imobilizaria o bem material no tempo, mantendo suas características, supostamente, originais, e, ainda, entendendo como importante para proteger apenas as heranças do período colonial.
Apenas com a nova Constituição Federal é que se tornou possível ampliar essa noção, incluindo as práticas culturais e os bens naturais no bojo da discussão. “A Constituição de 88 se pauta em alguns princípios que se tornaram paradigmáticos, tanto para o campo da cultura como para o de meio ambiente, a partir da ideia de que os diversos grupos humanos têm direito ao meio ambiente, pensando na noção de meio ambiente cultural”, afirma a antropóloga.
Projetos – Atualmente, quatro projetos integram o PEPCA. Dois deles têm o objetivo de registar o patrimônio cultural imaterial do artesanato de balata praticado em Monte Alegre e da Festa do Sairé, em Alter do Chão. O reconhecimento oficial do Sairé foi uma demanda dos próprios grupos que organizam a festa. Para isso, foi produzido um inventário da festividade com a gravação de CDs e filme para registrar e divulgar os saberes de foliões, rezadeiras, entre outros grupos envolvidos.
Em parceria com a Rádio Rural da Amazônia, o programa Hora do Xibé valoriza as histórias populares, crenças, modos de dizer e músicas regionais desde 2007. Outro projeto assessora artesãos e pequenos produtores no uso, registro e gestão de sinais distintivos. Em 2014, a Associação das Artesãs Ribeirinhas de Santarém (Asarisan), formada por artesãs de cinco comunidades do rio Amazonas, registraram a primeira marca coletiva do Pará, a Aíra.
Em 2015, o programa terá como foco as relações entre patrimônio cultural e as unidades de conservação na Floresta Estadual do Paru, localizada na região da Calha Norte, no Pará. Na Flota, vivem inúmeros grupos, como castanheiros, coletores de camucamu e balateiros. Eles utilizam técnicas agrícolas próprias, mas algumas políticas de proteção da floresta impedem que continuem a explorá-la à sua maneira. É preciso, nesse caso, verificar quais são essas práticas e de que forma é possível assegurar o direito desses grupos à exploração tradicional da floresta.
Para Luciana Carvalho, é importante que os grupos tenham “noção de que esses patrimônios não são essências para todo o sempre, mas que existem contextos e estratégias para lidar com isso, abertas pela Constituição”.
Luena Barros – Comunicação/UFOPA
13/1/2015
Reunião com artesãs da Asarisan, 2014 - Foto: Acervo do PEPCA.