Castanhais da Amazônia podem ser herança de ocupação humana do período pré-colonial
A castanheira que fornece as nutritivas castanhas-do-pará é uma árvore emblemática para quem mora na Amazônia. No meio da floresta ela se destaca, podendo chegar a impressionantes 50 metros de altura. Sua dinâmica influencia a vida das populações tradicionais, que coletam as sementes na época do inverno amazônico para consumi-las e comercializá-las. Aquilo de que, talvez, não nos damos conta é que a presença humana também influencia o desenvolvimento da espécie. O professor Ricardo Scoles, do Centro de Formação Interdisciplinar (CFI) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), estuda essa relação há dez anos e afirma que há benefícios para ambos os lados.
Hoje a castanheira é encontrada do Amapá até a Bolívia e Peru. Mas, segundo o professor, essa distribuição não ocorreria sem a ajuda do homem e da cutia, um roedor de médio porte. Eles são os únicos que conseguem quebrar o ouriço, a casca dura que reveste as sementes e não se abre espontaneamente, retirá-las e espalhá-las, involuntariamente. Como o homem percorre distâncias muito maiores que a cutia, suspeita-se que a larga ocorrência da espécie se deu pelo manejo involuntário de populações indígenas do passado, que já se beneficiavam da castanha. “Provavelmente, a castanheira tinha uma distribuição e adensamento bem menor que a atual e o ser humano favoreceu a sua distribuição e a densidade”, comenta.
Até 2017, junto com a pós-doutoranda Susan Aragón, do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Amazônia (PGRNA), Scoles irá coordenar um projeto para investigar a relação pretérita e presente entre a distribuição de castanhais na Amazônia e a ocupação humana, além de consolidar estudos sobre ecologia e manejo da castanheira na região do rio Trombetas, no Oeste do Pará. O estudo será realizado em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e a ONG Kirwane Desenvolvimento Integral.
A ideia é mapear os castanhais existentes na Amazônia – que chegam a concentrar de 15 a 20 árvores por hectare, muito mais do que em florestas comuns, onde se encontra menos de uma árvore por hectare – e áreas de terra preta – um solo fértil e escuro, que concentra vestígios cerâmicos de povos pré-históricos e é rico em nutrientes e matéria orgânica. Depois, cruzar essas informações para analisar se existem padrões comuns nas regiões onde os adensamentos de castanheira ocorrem. Dessa forma, seria possível testar a tese de que os castanhais são florestas antropogênicas, isto é, favorecidas pelo homem, e indicadores de ocupação humana pretérita.
Outra forma de comprovar a tese seria através de estudos genéticos: “Se o fator humano é determinante na distribuição das populações de castanheira, espera-se que haja menos diferenças genéticas entre as variedades de castanheira de diferentes partes da Pan-Amazônia (por exemplo, as populações de Bolívia e do Pará, bem distantes geograficamente). Se [a dispersão de sementes] fosse de forma natural, requereria muito mais tempo, já que a dispersão de cutia é de curta distância, e, portanto, haveria maior diferenciação genética entre as populações localizadas em áreas distantes”, defende o ecólogo. Em 2017, Scoles irá participar de uma rede de pesquisadores coordenados pela Embrapa para a realização desses estudos.
Benefício mútuo - Segundo dados coletados pelo pesquisador no Pará e no Amazonas, os castanhais mais próximos a comunidades são mais jovens e adensados. Ao contrário do que se pode acreditar erroneamente, o trabalho dos castanheiros favorece a dispersão e o crescimento da planta porque durante o processo de coleta, lavagem e transporte algumas castanhas caem no meio do caminho e germinam. A entrada de luz pelas clareiras no meio da floresta também estimula o desenvolvimento das plantas jovens, que precisam de alta luminosidade, ao contrário do que mostrou o monitoramento em florestas fechadas, onde há alta mortalidade e baixos níveis de crescimento.
“Não é qualquer perturbação que vai beneficiar a castanheira. São perturbações de baixa intensidade e não muita frequência”, esclarece. Nos estudos realizados pelo ecólogo, verificou-se que o desmatamento afeta negativamente as árvores que permanecem em pé em áreas de pastagem, por exemplo. Como a espécie é protegida, ela não pode ser derrubada. Mas isso não garante que ela consiga viver sem o resto da floresta. “O que fazem os fazendeiros? Eles deixam a castanheira em pé. Ela fica isolada, não produz e acaba morrendo”, conta Scoles.
Nos municípios paraenses de Óbidos e Oriximiná ainda há grandes áreas de castanhais preservados, e a coleta da castanha é o principal produto florestal não madeireiro para as comunidades rurais. Scoles conta que os próprios castanheiros têm um profundo conhecimento da floresta e percebem que os castanhais mais próximos são também os mais produtivos “É uma relação muito além da econômica, porque há uma relação simbólica em todas as fases da coleta, de identificação da pessoa, do castanheiro, com atividade extrativista. É uma atividade exigente e cansativa. Tem que ter o conhecimento da floresta e da árvore muito forte e aprimorado”, conclui.
Luena Barros - Comunicação/Ufopa
1/6/2016