Pesquisa pioneira investiga concentração de mercúrio em grávidas e recém-nascidos
Realizado no âmbito do Mestrado em Biociências da Ufopa, o estudo contou com apoio do Laboratório de Bioprospecção e Biologia Experimental (LabBBex) e do programa Ciência Sem Fronteiras, além de parceria do Instituto Minamata do Japão
Um estudo inédito na região Oeste do Pará investigou a presença de mercúrio, metal pesado altamente tóxico, em mulheres grávidas que utilizam o Sistema Único de Saúde no município de Santarém. A pesquisa foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Biociências da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e contou com a parceria do Instituto Nacional para a Doença de Minamata do Japão (NIMD), referência mundial em estudos sobre contaminação de mercúrio.
Na dissertação de mestrado intitulada “Avaliação da exposição pré-natal de mercúrio total em gestantes de Santarém – Pará”, Naelka dos Anjos Fernandes, que é professora do curso de Fisioterapia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), avaliou a concentração de mercúrio (Hg) em 45 gestantes atendidas pelo Hospital Municipal de Santarém. “O meu trabalho foi o primeiro realizado aqui na região com gestantes e com tecido fetal”, afirma Naelka Fernandes.
Aprovado pelo Comitê de Ética para Uso de Seres Humanos da UEPA, o projeto contou com o financiamento do programa Ciência Sem Fronteiras, do Governo Federal, o que possibilitou a vinda de especialistas franceses e japoneses à Santarém, além da capacitação da mestranda no Instituto Minamata do Japão. “Avaliamos cabelo, cordão umbilical e placenta das gestantes e analisamos a concentração de mercúrio nessas matrizes”, explica.
De acordo com a pesquisa, todas as gestantes avaliadas apresentaram concentração de mercúrio no cabelo, sendo 63% dentro dos limites estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 1 a 2 microgramas de mercúrio por grama de cabelo. No entanto, 37% das grávidas apresentaram níveis acima do recomendado. "A média que encontramos foi de 1.98 µg/g, aproximada do valor limite. Mas também encontramos valores altos, de 7 a 8 µg/g de mercúrio, em algumas grávidas que consumiam muito peixe em suas dietas", revela Naelka Fernandes.
A pesquisa também detectou a presença de mercúrio no material biológico dos recém-nascidos. “O cordão umbilical é um tecido exclusivamente fetal. Então essas mães passaram mercúrio para seus filhos”, conclui Fernandes. O resultado das análises revelou que todos os cordões umbilicais e placentas apresentaram concentração de mercúrio, a maioria dentro dos limites estabelecidos pela OMS.
"No geral, o padrão estabelecido pela OMS é para adultos. Não há parâmetros definidos para o embrião. Nessa fase embrionária não sabemos o que é seguro", explica o orientador da pesquisa, Ricardo Bezerra, docente do Programa de Ciências Naturais da Ufopa. "O correto seria encontrar zero por cento, tanto nas mães quanto nos recém-nascidos. Infelizmente ainda não existem estudos para indicar o que é seguro ou não para cada faixa etária", alerta.
Metal pesado, altamente tóxico e prejudicial à saúde humana, o mercúrio (Hg) pode causar problemas neurológicos, como tremores e estreitamento do campo visual e, em concentrações elevadas, levar até à morte. “A intoxicação por mercúrio causa manifestações gerais, como febre, vômito, diarreia, como se fosse uma intoxicação alimentar comum. Às vezes, os sintomas se confundem com os da malária. É por isso que é difícil de diagnosticar”, explica Naelka Fernandes.
Na gestação, a intoxicação por mercúrio pode levar à prematuridade, baixo peso, paralisia cerebral e até mesmo a catarata em recém-nascidos. “Talvez essa graduação permitida pela OMS não tenha uma manifestação no adulto, mas não se sabe o quanto isso pode afetar no desenvolvimento fetal, pois os parâmetros ditos seguros pela OMS não levam em consideração o período embrionário”, afirma Bezerra.
Análises – A coleta dos fios de cabelo das gestantes foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2016. Na ocasião, as grávidas também responderam a um questionário socioeconômico para saber sobre seus hábitos alimentares, com enfoque para a ingestão de peixes. Durante os partos, foram coletadas 90 matrizes fetais, sendo 45 cordões umbilicais e 45 placentas. "É uma coleta não invasiva de tecido fetal", explica Ricardo Bezerra.
Todo o material coletado foi analisado no Laboratório de Bioprospecção e Biologia Experimental (LabBBex) da Ufopa, que possui parceria com o Instituto Nacional para a Doença de Minamata do Japão (NIMD). Para realizar as análises nas matrizes fetais (cordão umbilical e placenta), Fernandes participou de um treinamento no Japão com o professor Mineshi Sakamoto, um dos diretores do instituto e que realiza pesquisas sobre a presença de mercúrio na Amazônia.
Hábitos Alimentares – Segundo os pesquisadores, os solos da Amazônia apresentam naturalmente uma concentração de mercúrio acima do normal, fato agravado pelas atividades de mineração e de garimpos. O processo de lixiviação do solo, resultante das chuvas, transporta esse mercúrio para o fundo dos rios, originando sua forma química mais tóxica, o metilmercúrio, que pode causar danos irreversíveis ao sistema nervoso central. “É uma das sete substâncias mais tóxicas que existem. E os lagos de hidrelétricas, em seus primeiros dez anos de existência, também apresentam níveis elevados de mercúrio", explica Ricardo Bezerra. Segundo o pesquisador, o metilmercúrio atravessa facilmente as membranas biológicas dos seres vivos. “A substância tem a capacidade de penetrar qualquer célula do corpo humano, mas tem uma afinidade maior pelo cérebro”.
Segundo os pesquisadores, a principal via de entrada do mercúrio nos seres humanos é pelo consumo de peixes, principalmente os carnívoros de grande porte, como o tucunaré, o pirarucu, a pescada e o surubim, espécies consideradas nobres pela população. "Estamos ingerindo mercúrio constantemente. O mercúrio está ligado à proteína, na composição da carne dos peixes. Mesmo cozinhando bem o alimento o mercúrio não é eliminado", explica Bezerra.
Com relação aos hábitos alimentares das gestantes, o estudo revelou que, por uma questão cultural e financeira, as grávidas dão preferência a peixes menores, considerados “não reimosos”, e com menor concentração de mercúrio, como o jaraqui, o pacu e o acari. Na avaliação dos pesquisadores, os fatores cultural e econômico contribuíram para os resultados encontrados dentro dos limites permitidos pela OMS. "As grávidas evitam os peixes considerados reimosos. De fato, o ideal para as grávidas é consumir peixes menores e que se alimentam de frutas, como o curimatã e o pacu, que apresentam menor concentração de mercúrio quando comparados aos peixes carnívoros e de maior porte", explica Fernandes.
Para as gestantes, a recomendação é a de reduzir o consumo de espécies carnívoras de grande porte durante a gestação, pois quanto maior o peixe, maior a concentração de mercúrio. “Os peixes são ricos em proteínas e ômega 3, por isso não é para evitar o consumo de pescado. É para reduzir o consumo de peixes grandes, durante o período gestacional, e dar preferência aos de menor porte ou aqueles que se alimentam de frutas”.
“É uma questão cultural. As grávidas não comem determinadas espécies de peixes porque são consideradas "reimosas", impróprias para as gestantes. Geralmente são peixes carnívoros de grande porte ou de pele, que apresentam maior concentração de mercúrio, quando comparados com os demais. Acreditamos que, em virtude disso, a maioria das grávidas ficou dentro do limite da OMS", explica Fernandes.
Boa parte da população da região Norte do país consome peixes carnívoros de grande porte, como o pirarucu, o surubim, o tucunaré e a pescada, espécies consideradas nobres mas que, teoricamente, podem apresentar maior concentração de mercúrio devido ao seu tamanho e posição trófica na cadeia alimentar. “É uma análise que deveria ser realizada de rotina, tanto no peixe, antes do consumo, quanto na população”, afirma Bezerra. “Não é para a população se alarmar, pois a maioria do pescado apresenta níveis de concentração de acordo com a OMS. A nossa preocupação é outra, a longo prazo. Ainda não sabemos o que pode acontecer com a população ao longo do tempo, mesmo estando dentro dos níveis considerados seguros pela OMS. Daí a necessidade de um monitoramento constante”.
Maria Lúcia Morais - Comunicação/Ufopa
26/9/2017