Estudo investiga os modos de uso do termo “mas”
Com diferentes funções na língua, o termo também tem uma função interacional, de acordo com o estudo, premiado em jornada acadêmica
Sabe aquela aula de português na qual aprendíamos que mas é uma conjunção adversativa? E na prática, no falar cotidiano, você já parou para perceber que o termo mas tem sido usado de inúmeras formas? Foi a identificação desses modos de uso de mas o objetivo da pesquisa “Os valores semânticos da conjunção MAS no falar santareno”, desenvolvida por Caio Mario Mota Cardoso, estudante do curso de Letras e bolsista de iniciação científica da Ufopa.
Uma parte deste trabalho, apresentada na jornada acadêmica do Iespes, recebeu o prêmio de melhor pôster, durante o mês de maio deste ano. O estudo de Caio faz parte do projeto de pesquisa História Social e Linguística do Português do Oeste Paraense, desenvolvido no Grupo de Estudos Linguísticos do Oeste do Pará (Gelopa), grupo de pesquisa da Ufopa coordenado pela professora Ediene Pena Ferreira, que descreve o português em uso pelos falantes do Oeste do Pará. Na avaliação da orientadora do estudo, a premiação demonstra que tal investigação também é pesquisa científica séria, com o mesmo rigor metodológico como outras das áreas de exatas ou biológicas. “O Caio observou o uso da forma mas, quais os diferentes valores do termo na língua falada, porque ele analisou narrativas orais. Tradicionalmente, o mas é uma conjunção adversativa, nós até decoramos isso, o termo é uma marca forte e bem conhecida dessa forma. No entanto, ele possui outros valores, como a função interacional, interagindo na comunicação”, conta a orientadora do estudo.
“Hoje eu fiz uma postagem no Facebook, usando uma citação de William Shakespeare de que eu havia gostado, e comentei: ‘Mas isso não é cultura?’ Naquele momento, eu não estava negando nada anteriormente, eu estava interagindo na comunicação. O termo também me serve para esta interação: ‘Mas você está bem?’ No momento que eu estou falando, ele me serve para estabelecer um contato, para manter uma comunicação eu uso o mas. Eu não uso o mas conjunção adversativa, naquele momento, eu uso a forma mas com uma função interacional”, explica a Profa. Ediene.
Necessidade comunicativa
Para além de pré-conceitos estáticos que não levam em conta a dinâmica dos usos da língua, a concepção adotada na pesquisa foi de que a gramática se constitui a partir dos discursos dos falantes da língua. “A pesquisa descritiva de Caio não se preocupou em julgar se estava certo ou errado o uso do mas. Ele quis saber qual o valor que o termo tem na língua, pois a nossa concepção de linguagem é de que a gramática é formada pelo discurso. É o discurso que vai moldando a gramática. É a intenção do falante, é a necessidade comunicativa, é a necessidade cognitiva do falante que vai construindo a gramática da língua. Quer dizer, as formas ali existem à nossa disposição, por causa das funções que eu quero atribuir. Eu quero a função X, eu procuro uma forma na língua e a uso. E o interessante da língua é exatamente isso: as formas estão à nossa disposição porque nós queremos expressar determinadas funções, então no momento que eu quero expressar uma determinada função, eu me valho de uma forma da língua”, explica.
Mas quando, mas olha já, mas onde já
Outros valores e modos de uso do termo também foram identificados na pesquisa. Os valores de retificação, de progressão textual e de adição são algumas das ocorrências relatadas pelo estudante. “O valor de retificação, na qual o falante comenta algo e logo em seguida utiliza o termo mas, seguido de uma correção em relação ao que ele tinha dito anteriormente, foi um valor encontrado. Neste caso, ele não se contradiz, ele não está se opondo, ele está simplesmente corrigindo, retificando. Já na progressão textual, o falante se utiliza do termo mas, associado a outras palavras, para dar continuidade ou mudar de assunto”, conta Caio.
Para o estudante, outro valor bastante curioso foi o valor de adição. “Este uso contraria o que diz a gramática e nas ocorrências encontradas o termo é associado a outras conjunções, formando uma locução. Uma muito encontrada foi a locução mas também”, revela.
Em Santarém, um modo de uso do termo, muito utilizado pelos falantes da língua, é a locução mas olha já, também encontrada durante a pesquisa. De acordo com a Profa. Ediene, essa e outras do tipo mas quando e mas onde já, são construções enfáticas. Elas não teriam função gramatical, mas sim pragmática. “Elas revelam a necessidade do falante de expressar, às vezes, uma dúvida, uma indignação, uma descrença, que não seria capaz de expressar por aqueles termos ou construções mais cristalizadas na língua, pois seriam muito utilizadas, mas não teriam aquele peso pragmático”, explica a pesquisadora.
A pesquisa na formação do licenciando
Na prática, além de perceber os preceitos da linguística funcional, o estudante diz que a pesquisa serviu para observar o indivíduo como agente transformador da língua. Ele não estaria a serviço da estrutura da língua, mas sim, a língua estaria a serviço do falante, ou seja, a pesquisa favorece a formação do estudante de Letras, pois nela o licenciando observa o falante como um agente modificador da língua, como aquele que pode fazer uso da língua, podendo causar modificações nela.
“O projeto está em fase final e está sendo uma experiência única, diferente daquilo que eu tenho aprendido em sala de aula, porque vamos para o lado prático da língua. Na sala de aula, temos o contato com a teoria, e na pesquisa científica, nós podemos conhecer o processo de investigação. Isso tem sido uma experiência bem enriquecedora. Especificamente neste estudo, tive inúmeros benefícios em relação aos conhecimentos que eu tenho adquirido, aprofundando-me nos conhecimentos sobre linguística, a linguística estrutural, a linguística funcional. Isso tem me ajudado bastante em sala de aula, pois quando nós começamos a investigar, aguçamos o nosso sentido. Passamos a observar os fenômenos linguísticos do nosso dia a dia de uma forma diferente. E o prêmio de melhor pôster é mais um incentivo”, conclui.
Talita Baena – Comunicação/Ufopa
5/7/2016
Caio Cardoso durante apresentação do estudo. Foto: Acervo Gelopa.