Óleo de copaíba apresenta eficácia no tratamento da malária
Amplamente utilizado pelas populações da Amazônia por sua ação terapêutica, o óleo-resina da copaíba apresentou atividade antimalárica em testes realizados com camundongos infectados com Plasmodium
Transmitida por parasitas do gênero Plasmodium, a malária é uma doença tropical, negligenciada pela indústria farmacêutica e com alta incidência no Brasil, principalmente na Amazônia. Atualmente, algumas espécies do gênero Plasmodium apresentam resistência aos fármacos empregados no tratamento da doença. Um grupo de professores e discentes da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) está pesquisando novos compostos bioativos com ação antimalárica, oriundos da flora amazônica, como o óleo-resina de copaíba, planta nativa da região com uso medicinal bastante difundido nas populações locais.
Ex-aluna do Programa de Pós-Graduação em Biociências da Ufopa, Giovana Andreia Gibbert de Souza avaliou o potencial do óleo-resina de copaíba no tratamento da malária e obteve resultados promissores. Intitulada "Atividade farmacológica do óleo-resina da Copaifera reticulata sobre o Plasmodium berghei em modelo experimental de camundongos BALB/c", a dissertação de mestrado, defendida em 2015, foi orientada pelo professor Waldiney Pires Moraes, diretor do Instituto de Saúde Coletiva (Isco), e contou com o apoio do grupo de pesquisa “Produtos Naturais de Bioativos da Amazônia”.
“A malária pertence ao grupo de doenças negligenciáveis, que não são prioritárias para a indústria farmacêutica, porque atinge regiões pobres, de clima tropical, como a África e o Brasil, onde apresenta alta incidência, principalmente na Amazônia”, explica Waldiney Moraes. “Na região Oeste do Pará, o município de Itaituba é o que apresenta maior incidência da doença”.
Na dissertação, Giovana de Souza explica que o número de medicamentos antimaláricos ainda é pequeno, o que justifica a busca por novos agentes terapêuticos que não apresentem tantos efeitos adversos ou toxidade como a medicação hoje utilizada. “Sabemos que o arsenal profilático e terapêutico para a malária demonstra ser bastante restrito e toda a gama de fármacos utilizados vem-se tornando ineficiente frente à resistência múltipla que o P. falciparum demonstra e à alta endemicidade que a malária apresenta no mundo”.
“Outro ponto que nos levou a trabalhar com essa problemática é a existência de cepas, linhagens de parasitas, resistentes às drogas utilizadas no tratamento atual. Existem cepas multirresistentes a várias drogas. Além disso, as drogas utilizadas atualmente apresentam alta toxidade que afeta principalmente as células do fígado”, esclarece o orientador da pesquisa.
Utilizado pela medicina tradicional para inúmeras finalidades, sejam elas curativas ou paliativas, o óleo-resina de copaíba apresenta propriedades medicinais que já foram analisadas por diversos pesquisadores, como atividades anti-inflamatórias, anestésicas, antimicrobianas e antiparasitária. No Brasil, as copaibeiras são encontradas principalmente na região Amazônica e no Centro-Oeste, regiões que possuem 28 espécies catalogadas, sendo 16 endêmicas do Brasil. As árvores de copaíba podem chegar até 40 metros de altura, com tempo de vida estimado em 400 anos. A partir dos 5 anos de idade, elas começam a florir e a frutificar. O óleo-resina utilizado na pesquisa foi cedido pelo laboratório de Biotecnologia Vegetal, coordenado pela professora Elaine Cristina Pacheco de Oliveira, do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef).
Resultados - A pesquisadora testou o óleo-resina da copaíba em camundongos parasitados com Plasmodium berghei. As análises mostraram que a copaíba foi capaz de reduzir a quantidade de parasitas no sangue dos animais infectados, além de promover a melhora do quadro hipoglicêmico, hematológico, hepático e renal das cobaias. “Concluímos que o tratamento com a C. reticulata é capaz de melhorar os aspectos bioquímicos e hematológicos dos animais infectados pelo P. berghei, além de atuar de forma direta na redução da parasitemia dos animais infectados, comprovando assim a atividade antimalárica”, afirma Giovana de Souza em sua dissertação.
De baixa toxicidade, o óleo-resina de copaíba também se mostrou eficaz na melhoria da função renal, aumentando ainda o tempo de sobrevida das cobaias. “O tratamento proposto com diferentes doses de óleo-resina também inibiu a queda dos níveis de glicose dos camundongos infectados”, relata a pesquisadora na dissertação.
Na avaliação dos parâmetros hematológicos, a pesquisa mostrou que a copaíba manteve as células do sangue dentro dos níveis normais, suprimindo as vias que levam ao processo de autodestruição de hemácias e reduzindo a exacerbação do sistema imune. Com relação à função hepática, o estudo comprovou a eficácia da planta na redução das lesões hepáticas induzidas pela malária.
Outro resultado importante foi a morte de cepas de parasitas resistentes às drogas utilizadas no tratamento atual. “Assim como a priprioca, a copaíba também demonstrou inibir cepas multirresistentes a várias drogas, em estudo in vitro realizado em parceria com o Laboratório de Bioquímica Medicinal da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), coordenado pelo professor Fernando Varotti”, esclarece Moraes.
Malária - A malária tem como agente causador protozoários do gênero Plasmodium. Dentre as várias espécies que causam a doença em humanos, destacam-se Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malarie e Plasmodium ovale. A transmissão natural da malária ocorre por meio da picada de fêmeas infectadas de mosquitos do gênero Anopheles, sendo a mais importante a espécie de Anopheles darlingi, cujos criadouros preferenciais são locais com água limpa, quente e área sombreada, com maior prevalência em regiões tropicais.
A infecção pelo plasmódio pode seguir dois cursos clínicos de evolução, dependendo da espécie de plasmódio. Na forma simples, o paciente apresenta um quadro clínico clássico de febre cíclica, seguido de intenso calafrio e sudorese profusa, náuseas, vômito, palidez, debilidade física, sem parasitemia intensa ou outras complicações.
Normalmente causada pelo P. falciparum, o agente mais letal da doença, a malária grave pode apresentar intensa parasitemia, o que gera complicações como o aumento do volume do baço (esplenomegalia), dor de cabeça grave, isquemia, lesões cerebrais, convulsões, vômito intenso, aumento anormal do volume do fígado (hepatomegalia), presença de hemoglobina na urina (hemoglobinúria), diminuição da quantidade normal de glicose no sangue (hipoglicemia), distúrbios da coagulação sanguínea (coagulopatias), complicações pulmonares, insuficiência renal, podendo evoluir ao coma e à morte.
Em busca de novos medicamentos
Formado por professores e alunos do Instituto de Saúde Coletiva (Isco) e do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef), o grupo de pesquisa “Produtos Naturais Bioativos da Amazônia” tem como objetivo principal prospectar produtos bioativos da flora amazônica, incluindo substâncias naturais com ação antimalárica, visando à obtenção de moléculas com melhor atividade contra a doença e baixa toxidade. “Além da copaíba, temos bons resultados também com a andiroba e a priprioca, que mostrou excelente atividade contra cepas multirresistentes”, comemora Waldiney Moraes. “Vamos começar a testar também a folha-de-pirarucu”, revela.
As análises são realizadas no Laboratório de Farmacologia Experimental, coordenado pelo professor Waldiney Moraes, com o apoio do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos Naturais Bioativos, do professor visitante Lauro Barata; do Laboratório de Biotecnologia Vegetal, coordenado pela professora Elaine Pacheco de Oliveira, do Ibef; e do Laboratório de Bioquímica Medicinal da Universidade Federal de São João Del Rey, coordenado pelo professor Fernando Varotti.
Segundo Moraes, as pesquisas com enfoque para o tratamento da malária já renderam duas dissertações de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biociências da Ufopa – incluindo a de Giovana de Souza; dois trabalhos de conclusão do curso de Farmácia; vários resumos e um artigo já submetido para a revista Phytomedicine; além de premiação com honra ao mérito por melhor trabalho apresentado no V Seminário de Iniciação Científica da Ufopa, na categoria de produtos naturais, desenvolvido pela aluna Suellen Ferreira Gonçalves.
Maria Lúcia Morais - Comunicação/Ufopa
23/8/2016