Pesquisa vai mapear mercado de reciclagens de Santarém
No estudo “O papel dos atores sociais do mercado de reciclagem em Santarém: uma análise socioeconômica à luz do indicador Força Motriz-Estado-Resposta”, a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociedade Natureza e Desenvolvimento (SND) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Maria Francisca de Miranda Adad, parte de um indicador socioambiental para fazer uma análise minuciosa do mercado de reciclagem na cidade de Santarém (PA).
“Esse indicador, por si só, não tem ferramentas econômicas. Está aí o diferencial da minha pesquisa. Usando “Força Motriz-Estado-Resposta (FMER)”, uma ferramenta de análise de perfil socioambiental, farei a análise socioeconômica do mercado de reciclagem. Com isso, pretendo definir a viabilidade, ou não, do mercado de recicláveis. Queremos saber se esse mercado tem condições de gerar independência econômica para os seus agentes”, enfatiza a pesquisadora.
A pesquisa surgiu a partir de uma hipótese que sempre preocupou a economista Maria Francisca de Miranda Adad, que integra o quadro de professores da Ufopa. “Logo nos primeiros passos do estudo, percebi que o mercado de reciclagem em Santarém, nos moldes em que se apresenta, não é viável: ou seja, os catadores trabalham numa lógica, já os distribuidores em outra. E a indústria, em outra bem diferente. Eles atuam como se fossem concorrentes, e na verdade não o são”.
O público – Até o presente momento os dados que aqui se apresentam foram coletados entre 2014 e 2015. Naquele período, os catadores que fazem parte da pesquisa estavam nas áreas do Aterro do Perema e do antigo Lixão do Santo André, desativado em maio de 2015, portanto após a coleta inicial dos dados da pesquisa. “Identifiquei 72 catadores, entre cooperados e autônomos. Com relação aos carrinheiros – como são chamados os catadores autônomos –, parte do que coletam é vendido a atravessadores que comercializam com os distribuidores. Quanto aos catadores vinculados à Cooperativa de Recicláveis de Santarém (COOPRESAN), a maior parte do que coletam é vendido a distribuidores, sendo uma menor porcentagem vendida a atravessadores. Nenhum destes atores consegue se manter só com a reciclagem”. Essa é uma das conclusões prévias da pesquisa que deve ser concluída em março de 2018.
A pesquisadora informou também que a COOPRESAN não possui estrutura para selecionar o material coletado dentro dos padrões industriais. “Os cooperados trabalham em cima da montanha de lixo. O material que recolhem é contaminado, tem baixa resistência, o que confere pouca qualidade ao produto industrial. Com isso, a indústria de recicláveis se vê obrigada a adquirir matéria-prima fora do mercado de Santarém, sob o risco de que seu produto, pela baixa qualidade, não tenha aceitação no mercado”.
“Para que esse mercado comece a ser lucrativo, primeiro é necessário que o catador, cooperado, chegue antes do despejo da coleta pública. Nossos catadores estão depois do despejo. Somente os carrinheiros chegam antes da coleta pública e levam o material que tem maior valor comercial. O que sobra desta primeira “garimpagem” é mandado para o Perema”.
Quem são os “atores” da pesquisa – Os atores sociais da pesquisa são catadores cooperados, distribuidores e indústrias de reciclagem, compondo assim o mercado formal da reciclagem. Por opção metodológica os integrantes do estudo não estão sendo nomeados, sendo codificados por letras ou números, conforme o caso.
A COOPRESAN conta com 90 cooperados, sendo que apenas 42 estão em atividade, e representam, mais ou menos, 28 famílias. “A renda per capita mensal é de R$ 57,45. Convertida em renda familiar chega somente a R$ 230,00 mensais. Mais da metade alega receber renda maior na atividade que ocupava anteriormente e sente a necessidade de ter uma ocupação adicional. Quando questionados, estes indivíduos alegam estar no Perema por falta de escolha”.
A rotina no aterro – A separação dos resíduos é realizada em “ilhas de catação” (termo criado pelos próprios catadores) tendo, cada uma delas, um catador ou um pequeno grupo familiar de catadores como “proprietários” daquele material coletado. A única atitude coletiva da cooperativa é negociar preço com os distribuidores e atravessadores com quem comercializam. Cabe a cada catador, individualmente, receber pela sua produção. Este comportamento rompe completamente com a lógica da economia solidária, muito menos se constitui no que deveria ser definido como uma cooperativa. No máximo corresponderia a uma associação de catadores e, se analisarmos de forma criteriosa, também não chega a ser nem isso”.
Os distribuidores – São três os distribuidores que participaram da pesquisa até 2015. “Apenas um está efetivamente na atividade. Compra e vende para a indústria, tanto daqui quanto de cidades como Manaus e Parintins, por exemplo”. O segundo está também no mercado de distribuição de alimentos e a distribuição de recicláveis constitui-se em uma atividade secundária. O terceiro distribuidor não compra matéria-prima da cooperativa. Criou 33 pontos de entrega voluntária (PEVs) na cidade. “Poderíamos caracterizá-lo como uma espécie de catador. O que faz efetivamente é uma coleta seletiva e, em seguida, faz a distribuição”. É o único em Santarém que tem lucros com essa atividade. Ele recebe o material limpo e, em seguida, vende a maior parte do que coleta, para grandes mercados como Curitiba e São Paulo.
“Esses estudos preliminares me levaram a uma conclusão parcial: Não é o mercado de catadores que é inviável e não permite independência econômica ou a inserção na sociedade dos seus atores. Todo o mercado de recicláveis de Santarém está travado, por esse e outros motivos que apresentarei ao final do estudo”, conclui a pesquisadora.
O programa de coleta seletiva de Santarém – Em geral, o cidadão comum não quer ter o trabalho de separar e/ou coletar materiais recicláveis sem vantagens. O Projeto Piloto de Coleta Seletiva do município até o momento não se apresentou eficaz. A professora cita exemplos bem sucedidos que estão em funcionamento em algumas capitais brasileiras como Palmas (TO), Teresina (PI), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR). Nesses locais, o poder público beneficia a população que contribui com a coleta. “Em Teresina, por exemplo, o material separado nas residências é trocado nos pontos de coleta por gêneros de primeira necessidade, o que leva ao envolvimento da população. Isso gera uma cultura da coleta, as pessoas se habituam a separar o lixo”.
Contribuição da pesquisa para Santarém – “Depois que eu definir a inter-relação entre os três atores sociais, poderei identificar as falhas de processo. Eu me comprometi a entregar uma cópia da pesquisa concluída para alguns dos atores envolvidos, pois demonstraram interesse em conhecer os resultados. Do ponto de vista efetivo, será possível, por exemplo, definir as regras do mercado e então equacionar questões simples, desde a definição da qualidade de matéria-prima que a indústria necessita até questões mais complexas que envolvem todo esse mercado”.
Sobre a nossa produção de lixo – Estima-se que o brasileiro produza, por dia, um quilo de resíduos sólidos. Esta seria a quantidade de embalagens, restos de alimentos e outros tipos de materiais que o cidadão joga no lixo diariamente. Em 2013, esse volume todo somado chegou a 76 milhões de toneladas.
De acordo com a pesquisa da professora Maria Francisca Adad, “o aterro do Perema passa por adequações e melhorias em sua estrutura para minimizar os impactos causados ao longo do tempo e recebe por mês, aproximadamente, 4.466 toneladas de resíduos, entre comerciais e domiciliares. Sua capacidade é de receber 200 toneladas por dia de resíduos”.
Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) - As regras seguem o princípio de responsabilidade compartilhada entre os diferentes elos dessa cadeia, desde as fábricas até o destino final. Os municípios, por exemplo, ganham obrigações no sentido de banir lixões e implantar sistemas para a coleta de materiais recicláveis nas residências. Hoje, apenas 7% das prefeituras prestam o serviço.
Lenne Santos – Comunicação/Ufopa
6/3/2017