Pesquisadora da Ufopa desenvolve batom de bacuri com pigmento de jambo
Cosméticos fazem parte da rotina de todas as mulheres, mas já pensou poder andar na rua com um batom natural da Amazônia? Essa é a ideia por trás do batom que está sendo desenvolvido em Santarém, no Oeste do Pará, com formulação a base de duas matérias-primas regionais: bacuri e jambo-vermelho. A manteiga de bacuri, utilizada no lugar da cera de abelha, empresta emoliência à fórmula e o extrato de jambo serve como pigmento natural para o produto.
Desenvolvido pela professora Kariane Nunes, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o batom usa como insumo o caroço do bacuri, que costuma ser descartado pela indústria alimentícia. “A principal matéria-prima dos batons é a cera de carnaúba, que dá a dureza, e a cera de abelha, que dá emoliência. Mas a cera de abelha, além de não ser típica da Amazônia, é muito cara. Então substituímos pela manteiga de bacuri, que apresenta alto valor do ácido graxo palmitoleico: 5% em comparação com outros óleos que não possuem mais que 1,5%, qualificando a manteiga do bacuri como um emoliente fantástico. E ela também pode ser usada como umectante”, explica a pesquisadora.
Além de agregar valor comercial ao produto, por utilizarem matéria-prima mais acessível e barata, a manteiga de bacuri também proporcionou maior funcionalidade. “Conseguimos provar que nossos batons são muito mais hidratantes que os produzidos com cera de abelha”, ressalta Kariane.
Mesmo mais emoliente, o batom continuava sendo produzido com pigmentos sintéticos, que contém alto teor de cádmio e chumbo, metais pesados e tóxicos, que representam um grande gargalo para a indústria cosmética em geral. “São esses componentes que proporcionam cores aos batom e permitem uma fixação prolongada nos lábios. Quanto mais cor, mais metal pesado e, portanto, mais tóxico o batom”, detalha Kariane.
No Brasil, a indústria cosmética é regulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “A legislação possui algumas brechas, o que facilita a produção de cosméticos faciais contendo pigmentos sintéticos com altos teores de metais pesados”, avisa a professora. A longo prazo, a exposição diária a essas substâncias pode causar doenças como câncer, perturbações neurológicas e desordens no aparelho reprodutor, por exemplo.
Partindo da intenção de tornar o batom amazônico o mais natural possível, Kariane começou a pensar na linha dos biocosméticos ou cosméticos verdes. Em parceria com o professor Leopoldo Barato, atualmente trabalhando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consideraram a possibilidade de trabalhar com pigmentos naturais, partindo do uso de frutas locais. Foi quando surgiu a ideia do jambo-vermelho, muito frequente em quintais e ruas de Santarém.
Em 2015, iniciaram o experimento no âmbito do Laboratório de Farmacotécnica, vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva (Isco) da Ufopa. Depois de passarem um mês coletando jambos pela cidade, Leopoldo, especialista na área de fitoquímica, passou a lidar com a parte do extrato, elaborado a partir das cascas da fruta. Kariane trabalhou diretamente com o desenvolvimento da formulação, já que sua especialidade é a área de tecnologia farmacêutica.
Da planta ao cosmético - Quem explica o processo é Bruna Cantal de Souza, aluna do 8º semestre de Farmácia na Ufopa e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Pibiti/Ufopa). “Os frutos foram separados por tempo de maturação, para termos uma cor bem homogênea. Depois descascamos e secamos as cascas por uma semana. É necessário ter cuidado com a temperatura de secagem, porque os pigmentos contidos nas cascas podem oxidar”, relata.
O passo seguinte é moer e deixar as cascas em percolação, o que consiste em deixá-las afundadas em álcool para ir retirando o extrato, esgotando as cascas aos poucos. Depois é preciso retirar o álcool através do processo chamado rotaevaporação. “Aí resta só o pigmento puro para aplicar na formulação”, diz a estudante.
Outra inovação da pesquisa foi a substituição do dióxido de titânio presente na fórmula por goma de tapioca. O dióxido funciona como uma espécie de protetor solar, deixando a formulação mais clara e permitindo controlar a tonalidade do pigmento. “Só que ele também é tóxico. Então substituímos por um produto natural, da nossa região, que tem a mesma cor e textura”, ressalta Bruna. Nas composições tradicionais, o dióxido de titânio também funciona como antioxidante. “Mas a molécula do nosso pigmento orgânico é uma antocianina, que já é antioxidante”, explica.
A intenção da equipe de pesquisa é retirar da formulação a maior quantidade possível de elementos tóxicos, como, por exemplo, o EDTA ácido, um estabilizante que funciona como conservante, prolongando a validade da fórmula. “Esse é o único componente tóxico que ainda resta em nossa composição. Mas já estamos pesquisando uma substância de origem natural para usar no lugar”, adianta a jovem.
Mesmo ainda passando por aprimoramentos, a ideia do batom de jambo já está protegida através do depósito do pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). Nessa iniciativa, a equipe de pesquisa contou com o apoio da Agência de Inovação Tecnológica (AIT) da Ufopa.
Obstáculos – O experimento com o jambo originou batons de diversas tonalidades, dependendo da quantidade de pigmento utilizado, desde nuances de rosas mais claros até tons mais intensos da cor. “A indústria de cosméticos não costuma trabalhar com pigmentos naturais porque a fixação da cor é mais difícil. Os pigmentos naturais reagem ao entrar em contato com o oxigênio, por isso oxidam rapidamente, diferente dos pigmentos inorgânicos, que são quimicamente mais estáveis”, informa Kariane.
A falta de estabilidade é um dos obstáculos a ser vencido pela equipe. De olho na indústria cosmética, elas já trabalham para resolver a questão. Através de uma parceria com a Universidade de Brasília (UNB), pretendem microencapsular o pigmento. “Assim ele ficaria protegido dentro da cápsula e fixaria mais tempo na boca”, adianta Kariane.
Além desse entrave, Bruna explica que a substância que promove a cor do pigmento do jambo é ligada a unidades de açúcares, originando um extrato semelhante a um caramelo vinho. “Para colocar esse caramelo na formulação, misturando com cera, é um pouco complicado, é um dos gargalos que devemos resolver a fim de gerar um produto viável e de aplicação industrial, porque eles buscam praticidade”, avalia a jovem.
Apesar dos obstáculos, as pesquisadoras acreditam que é cada vez maior o público que demanda do mercado cosméticos naturais, livres de químicas nocivas à saúde. “É melhor garantirmos o uso racional e seguro desses cosméticos, mesmo que seja necessário o retoque do batom por três ou quatro vezes ao dia, ao invés de colocarmos em cheque a nossa saúde”, categoriza Kariane.
Além disso, a bolsista Bruna destaca outra oportunidade que a industrialização do batom produzido em Santarém traria: a geração de renda para comunidades locais que trabalham, por exemplo, com o bacuri e o jambo. “Se elas passarem a extrair a manteiga de bacuri ou se fossem contratadas para coletar e descascar jambos, imagina quantas pessoas poderiam ser beneficiadas?”.
Premiação – Em maio de 2016, Kariane e Bruna participaram em São Paulo da FCE Cosmetique, tradicional feira internacional de cosméticos. “Foi incrível esse contato com quem já está no ramo. Eles conseguem mostrar o que precisamos adequar no produto para que ele seja aceito pelo mercado. Temos que fazer um produto muito bom para o consumidor, mas também adequado às necessidades da indústria”, pondera Bruna.
Com a pesquisa, Bruna ganhou o prêmio de melhor trabalho na área de Saúde durante o VI Seminário de Iniciação Científica da Ufopa, em setembro de 2016. “Me senti muito valorizada vendo meu trabalho reconhecido”. A intenção é que o projeto sirva de base para o trabalho de conclusão de curso (TCC) da aluna e que seja publicado em revista científica indexada na plataforma Qualis, da Capes.
Renata Dantas - Comunicação/Ufopa
16/2/2017