Políticas públicas de saúde voltadas para diabetes precisam focar na prevenção, diz estudo
No município de Santarém, observou-se que o controle da doença ainda é problemático e que a participação popular seria uma das alternativas para efetivação do direito à saúde
A diabetes mellitus, tipo 2 (DM2), é uma doença crônica não transmissível, adquirida a partir de um estilo de vida não saudável, incluindo hábitos como sedentarismo e dieta rica em gorduras e açúcares. Há alguns anos, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) alerta: o tipo 2 da doença vem aumentando consideravelmente e ganhando características de epidemia mundial. De acordo com a entidade, em 2002, havia 173 milhões de diabéticos no mundo. Em 2030, a projeção chega a 300 milhões.
Diante deste cenário, como saber se as políticas públicas de saúde voltadas para a prevenção e o tratamento da doença estão sendo efetivas? A professora do curso de Direito Lidiane Leão, vinculada ao Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), investigou o caso do município de Santarém, no Oeste do Pará, para responder à questão na tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP), em 2015. A pesquisa foi publicada neste ano pela editora Lumen Juris, com o título “Direito à Saúde e Políticas Públicas”.
O estudo teve como objetivo principal investigar como e em que medida as políticas públicas podem interferir nas estruturas jurídicas para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Especificamente, analisar se o direito à atenção básica à saúde, previsto na Constituição Federal de 1988 como uma prestação obrigatória do Estado, estava sendo concretizado para pacientes diabéticos no município.
Após analisar dados de 2003 a 2010 em Santarém, cruzando as diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2006 e uma ampla quantidade de documentos estaduais e municipais referentes ao planejamento e gestão da saúde, constatou-se que a política municipal é pouco efetiva. Parte desse problema é decorrente de questões estruturais, como a falta de insumos, equipamentos, unidades de saúde e valorização do profissional de saúde, que se tornaram um obstáculo à implementação das mudanças incrementais propostas pela política nacional.
“Diante dessa constatação e da incontestável limitação dos recursos existentes para os cuidados com a saúde, torna-se necessário considerar, nas decisões para alocação de recursos, como melhor utilizá-los, ponderando os investimentos para tratamentos especializados (transplantes renais e hemodiálise, por exemplo) que beneficiam menor número de pessoas em relação aos investimentos para melhorar a qualidade da prevenção e tratamento (atenção básica) do diabetes e da hipertensão (principais causas de insuficiência renal)”, explica a professora.
A abordagem da doença mostrou-se equivocada, com foco na medicalização do paciente, ao invés da prevenção. “Se as estruturas de prevenção, cuidado e controle do diabetes mellitus funcionassem, a indicação de tratamento medicamentoso deveria ocorrer quando os demais tratamentos, como dieta e exercícios, não estivessem surtindo os efeitos desejáveis (controle glicêmico e prevenção e retardo de complicações)”, defende a pesquisadora.
De 2003 a 2005, por exemplo, o tema da atenção básica predominou na agenda política do município. Porém, o desdobramento entre os atores interessados na política se ateve apenas à insuficiência de assistência médico-hospitalar e à precariedade da assistência farmacêutica, especialmente aos diabéticos. Também não foi encontrado nenhum plano estratégico do município ou outro documento oficial que especificasse uma estratégia local ou regional para a abordagem dessa enfermidade.
De acordo com o Ministério da Saúde, a estimativa de diabéticos na população maior de 40 anos é de 11% e entre 18 e 40 anos, de 5,2%. Em Santarém, considerando os dados populacionais à época da pesquisa, a estimativa seria de 8.000 a 9.000 possíveis doentes. Porém, até 2010, havia apenas 4.015 pacientes no Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia). A incompatibilidade com a realidade epidemiológica do país foi observada, inclusive, no Relatório Anual de Gestão do ano 2003.
“Além do desconhecimento, no período, do gestor municipal sobre a real prevalência de diabetes mellitus no município, os resultados da pesquisa indicam que o cadastro e acompanhamento realizado pela Semsa não apresenta evidências de que há efetivo controle do DM2 em relação aos pacientes cadastrados e acompanhados”, afirma a pesquisadora.
Direito à saúde também é direito à participação na construção das políticas de saúde
No processo de elaboração e implementação da Pnab 2006, o estudo identificou a participação de vários atores, com o protagonismo do Conselho Municipal de Saúde e do Ministério Público nas discussões. Porém, segundo a pesquisadora, apesar de haver instituições e processos jurídicos de participação no âmbito do SUS, não houve uma “democracia sanitária”, devido à falta de controle social efetivo da política por meio de ações governamentais que focassem mais em mecanismos institucionais de gestão local voltada ao bem-estar dos cidadãos e à qualidade da atenção à saúde.
Para garantir que as ações estejam de acordo com a realidade local e que sejam concretizadas, Leão afirma que a melhor forma de controle é a participação popular. “Saúde é direito de cidadania. De poder dizer e escolher, enquanto cidadão, o que é saúde para nós, habitantes de Santarém. O que é saúde para o santareno não é o mesmo para quem mora em São Paulo ou em Brasília. O direito à saúde só será concretizado no cotidiano a partir da participação popular, e essa participação também depende de políticas públicas”.
“Direito à Saúde e Políticas Públicas”
A tese, que rendeu o livro “Direito à Saúde e Políticas Públicas”, é um dos raros trabalhos das Ciências Jurídicas que se debruçam sobre políticas públicas, isto é, no campo, propriamente dito, de aplicação do Direito. O esforço interdisciplinar envolveu a conjugação dos campos do Direito, Saúde Pública e Ciência Política e trouxe a aplicação de uma metodologia inédita para análise jurídica de políticas públicas.
A obra, publicada pela editora Lumen Juris, será lançada em Santarém, no dia 8 de agosto de 2017, às 19h30, no Auditório Pérola, anexo à Unidade Amazônia da Ufopa. Em Belém, o lançamento está previsto para o dia 30 de agosto, às 18h, no Auditório Hailton Correa Nascimento, do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (ICJ/UFPA).
Luena Barros - Comunicação/Ufopa
19/7/2017